"O coração não sente ciúme. O coração só ama.
Quem sente ciúme é o cérebro. Por isso se diz que o ciúme é coisa da cabeça da gente.
O ciúme é um sentimento tão pérfido que não cabe no coração.
O ódio também não é detonado pelo coração, ao contrário do que muito já se disse.
O ódio também vem do cérebro. Por isso se diz que estamos com a cabeça quente.
O coração só ama. Ternura vem do coração.
Tolerância vem do coração.
Bondade vem do coração.
Quando alguém trai quem ama ou estima, é porque o coração foi superado na luta que ele mantém contra os outros órgãos.
Não existe mau caráter original.
O caráter só será mau quando o coração não tiver influência sobre ele.
E será bom quando o coração o tiver envolvido.
Tanto prova que é corrente a expressão “mau-caráter”.
Mas nunca se ouviu dizer “mau-coração”.
Porque no coração só cabem coisas boas.
A lixeira do homem esta em outras partes, algumas bem notáveis, do seu corpo.
No coração não cabe nem argueiro.
O coração é a parte nobre do corpo humano, todas as outras são plebéias,
porque se conspurcam.
A bênção sai do coração, o impropério salta do cérebro.
Saudade nasce no coração, rancor vem do cérebro.
Quem dispara a lágrima é o coração. Quem dispara o revólver é o cérebro.
E sempre se travará a luta, descrita pelos filósofos, entre o cérebro e o coração.
E o incrível é que nesta luta, vença quem vencer, a razão sempre está com o coração.
Quando enfrenta o coração, o cérebro sempre perde a razão.
“E o coração tem razões que a própria razão desconhece”.
Razão só tem aquele que tiver coração.
Coração só tem aquele que mostrar boa razão.
O cérebro é, portanto, um mero rival do coração.
E o homem se corrompe quando o cérebro toma o lugar do coração.
Eu as vezes amo tanto que penso que tenho dois corações, o segundo no lugar do cérebro.
Sem cérebro, eu enlouqueço de tanto amar, porque só o cérebro pode travar a corrida alucinada do coração para o amor.
Daí que quem pensa não ama, e quem ama não pensa.
Se o destino tiver que escolher entre me avariar o cérebro e o coração, que me preserve o coração e dane-se meu cérebro.
Mil vezes ser um encefalopata do que um cardiopata.
Prefiro vegetar como um idiota, mas tonto de amor".
Paulo Sant'ana
Crônica publicada em 20/01/1997